...
Velho, seco, num canto de um restaurante seleto, teve sua
paz repentinamente furtada, perturbado que me viu. Mas logo um contentamento
genuíno, intenso e imperfeito tomou lugar entre nós, num aperto de mão,
gesticulações e semi-abraço. Não se esperavam. Chegando, notou seu chapéu modelo
antigo, empoeirado, amassado e bonito. Ao encarar a cara alheia, se alegravam
pela sorte de nascer no próprio corpo, ainda que conhecessem suas mazelas. Não
tenho “inimigos que me amam”, mas amigos que me desprezam. E, no entanto, as
falas de que se cercavam revelavam um reflexo da alma, no fim das contas um reflexo
do corpo, imagem destorcida num espelho trincado.
- Vinte e quatro horas têm sido muito pouco – disse o tolo.
- O ciclo do tempo é o que me mata.
O que é o espírito?
Porque não se fala em Natureza-s, se céu e mar não são iguais?
O computador como extensão humana, blá, blá, blá.
- Sabe por que hoje todos querem ser artistas, com seus
blogs, seus twitters, redes virtuais cheias de opiniões sem receio e frases de
efeito, com seus violões, sua fotos e encenações do dia?
- Por que eles são os melhores – os artistas?
- (Não) Porque o projeto intelectual fracassou. Há uma crise. Ao
produzir e ao divulgar o que sabemos. O que saber para saber mais? Quem pensa na
ponta não consegue passá-lo, quem está às margens sequer sabe como obtê-lo, se o
imagina. Então, são obrigados a significar o mundo a partir de suas vidas
vazias, pobres de sentido. Se ao menos pudessem parar e buscar, calar e
escutar, acordar e assim descobrir como ir mais fundo em seus sonhos.
- Mas eles precisam de sentido.
- Sim, por isso continuarão.
- Do que você está falando?
- Do erro.
...
- Ando cansado do mercado. Centro cheio de gente olhando as
mesmas coisas, vendendo as mesmas coisas. Todos esses uniformes e rações.
- Tempos atrás também estava cansado de comer. Todo dia,
tantas vezes, a mesma vontade, necessidade, de enfiar algo pra mais tarde botá-lo
pra fora. Realmente me sentia enjoado. Alimentar seu corpo, deixando algo
deteriorar-se dentro dele. Não à toa também chamam isso de “consumir”.
Passada toda a conversa, já à noite, em casa, enquanto
melancolicamente olhava sua mulher deliciosa, disse com sinceridade:
- Meu bem, me ajude a ser grande.
Crítia abriu a geladeira. Abriu um novo post no blog. Abriu
a madrugada e fechou com carinho e sutileza o mundo atrás de si, da porta.
“Nem todas as idéias são boas”.
Casal:
Coisa Casual
Nenhum comentário:
Postar um comentário